sexta-feira, 21 de janeiro de 2011

A cultura e a Síndrome de Penter Pan

Desde o começo dos anos 90, quando começaram as reuniões do Fórum Permanente de Cultura, começaram também a serem elaboradas as primeiras "cláusulas" da ex-lei Hermes de Abreu. A "novela do funcionamento" da lei demorou muitos anos. Naquela época, aconteceram muitas brigas e somente a classe artístico-cultural foi quem se desgastou. Deu a "cara a tapa", sofreu muita indignação para conseguir a aprovação do projeto de lei nº 5.893 - A -12/12/91 e a renúncia fiscal de 3% para patrocínio e 1,5% para incentivo, homologada pelo ex-governador Jaime Campos em 13/01/92.

Depois vieram as alterações (lei nº 6.913 de 04/07/97 e lei nº 7.042 de 15/10/98), afora decretos e portarias que arrastaram a lei de incentivo até o final da década.

A lei Hermes de Abreu carregava o nome do ex-deputado que foi o autor e relator do projeto (elaborado junto com o Fórum). Foi uma conquista que a classe conseguiu a duras penas no começo da década. Não me lembro de ter tido apoio de nenhuma prefeitura, sociedade civil organizada ou outras classes. O objeto da lei era bem claro: beneficiar o artista e o produtor cultural na sua produção.

Por muito tempo, a classe andou "com pires na mão" (carta aprovada) pelo Conselho Estadual de Cultura em busca do recurso permitido pela lei. Aos poucos essa prática tornou-se meio de especulação de contadores de empresas, empresários, prefeitura, TVs, políticos, promoters e outros.

No começo do novo milênio, a especulação atingia o patamar insuportável, pois não havia limites para captação de recursos e um decreto limitou os projetos fixando o teto máximo de R$ 150.000,00 e mais uma lei veio para enquadrar a de nº 7.576 de 18/12/2001.

Fui eleito conselheiro na gestão 2001/2002 e fiquei até agosto de 2002, pois, não aceitei ser manobrado para especulação da politicagem e renunciei.
Em 2003, o Congresso Nacional aprovou o § 6º do art. 216 da Constituição Federal, que ficou com a seguinte redação: Art. 216 § 6º É facultado aos Estados e ao Distrito Federal vincular a fundo estadual de fomento à cultura até cinco décimos por cento de sua receita tributária líquida, para o financiamento de programas e projetos culturais, vedada a aplicação desses recursos no pagamento de: I - despesas com pessoal e encargos sociais; II - serviço da dívida; III - qualquer outra despesa corrente não vinculada diretamente
aos investimentos ou ações apoiados.

Muitos projetos foram beneficiados com a lei Hermes de Abreu e outros foram criados antes desse artigo como a Festa Internacional do Pantanal (1993), o Festival de Cinema (1993), a Micarecuia (1997), o Rasqueart (1998), o Calango (2001) e os que já existiam como o Salão Jovem Arte, o Festival de Inverno da Chapada dos Guimarães e o Festival Internacional de Pesca.
Olhando direito vemos que muitos deles são de cunho turístico e não cultural.

Além disso, os recursos da lei foram desviados para pagar eventos de artistas nacionais em detrimento aos artistas locais, contrariando o objetivo da lei desde o começo.

Em 2004, já no governo Blairo Maggi, a desgastada lei Hermes de Abreu nº 5.893 - A de 12/12/91 é revogada e nasce das cinzas a lei nº 8.257 de 22/12/2004, que instituiu o Fundo Estadual de Cultura de Mato Grosso, cujos recursos são gerenciados pela Secretaria da Fazenda. Por um lado foi bom, pois acabou com a especulação dos lobistas como deixou bem claro o governador Silval Barbosa na reunião do Fórum que aconteceu no Hotel Mato Grosso Palace no dia 09 de Setembro do ano passado, durante a sua campanha.

O novo sistema criado não ficou livre do tráfico de influência política, pois, o controle ficou nas mãos do governo e os apadrinhados é que começaram a especular.

No bojo da nova lei de fomento, nasceram vários projetos importantes para a comunidade como a Orquestra Sinfônica de Mato Grosso, a Big Band do Estado e a Literamerica. Parecia que o setor estava tomando um rumo. Para onde se olhava via-se o empenho da cultura cuidando do patrimônio histórico, nos eventos, via-se a participação de grandes nomes da cultura nacional, como o poeta Manoel de Barros, a escritora Nélida Piñon (ex-presidente da Academia Brasileira de Letras), o Ministro Gilberto Gil etc. O ex-governador Blairo Maggi chegou a afirmar em entrevista que "... a Secretaria de Cultura do Estado era a única que não lhe trazia problemas".

Nessa onda de magnitude proferida pelo governador, provoca uma demanda de projetos inexpressivos e as prefeituras, que entram com vários projetos de festas de santo, são as que mais especulam a nova lei. As produções dos "Autos de Natais e da Paixão de Cristo da vida" pagaram cachês caríssimos aos artistas das novelas da Rede Globo. Grandes somas do dinheiro da lei são gastos para fazer um Ato de Natal repetitivo e que não contribui em nada para a cultura, pois é um evento desgastado pelo mundo todo e o Nordeste já consagrou esse evento no seu calendário turístico. Afora tudo isso, ainda é proibido pela Constituição Federal. Veja: Art. 19. É vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: I - estabelecer cultos religiosos ou igrejas subvencioná-los, embaraçar-lhes o funcionamento ou manter com eles ou seus representantes relações de dependência ou aliança, ressalvada, na forma da lei, a colaboração de interesse público.

O poder público não pode apoiar religião nenhuma no Brasil, pois o nosso Estado é laico. Se o fizer, desobedecerá a Constituição e terá que dar apoio às religiões evangélicas, africanas, indígenas, espíritas, muçulmanas e tantas outras. Estaríamos gastando dinheiro com coisas que não precisam de incentivo e nem promoção, tão pouco de política, pois o exercício do sentir das religiões é, antes de mais nada, um exercício individual de cada pessoa e qualquer propaganda ou insinuação a respeito do credo do próximo é alienação e politicagem. Cada um tem seu Deus e garanto que não precisa do Deus do outro.

A festa religiosa é apenas promoção de religião. Para quem não sabe, a cultura é que deu origem a religião, mas isso não quer dizer que o dinheiro público tem que ser gasto com festa de santo católico ou festival gospel, encontro de seita espírita, etc. Quero que entendam que não estou criando picuinha contra as festas de santo tradicionais da comunidade. Estou colocando a nossa realidade diante da Carta Magna do país. Se a Constituição Federal não estiver em concordância, então temos que mudá-la, pois, quem faz as leis da Constituição somos nós.

Quando acaba "o pó mágico de pir-lin-pin-pim"

Em 2008, muda o Secretario de Cultura, João Carlos Vicente Ferreira e o da Fazenda Waldir Júlio Teis e, respectivamente, entram na Cultura o escritor Paulo Pitaluga e na Fazenda Éder Moraes. Ao mesmo tempo, surge uma nova lei de incentivo à cultura (lei nº 9.078 de 30/12/2008 e os decretos nº 1.842 e 1.863/2009). Essa nova lei institui a repartição da renúncia fiscal com pagamento de pessoal da Secretaria de Cultura, que é inconstitucional (CF, art. 216, acima citado), e restringe o valor dos projetos num nível abaixo do mínimo.

Muitos eventos importantes e empreendimentos culturais do próprio governo (Big Band do Estado) são prejudicados. Vejam só a lista dos outros eventos coibidos: Salão Jovem Arte, Festa Internacional do Pantanal, Festival de Cinema de Cuiabá, Literamerica. A Orquestra do Estado sobreviveu graças ao esforço do maestro Leandro Carvalho que conseguiu "segurar as pontas" e manter a orquestra o que lhe custou muito caro. Muitos músicos saíram, pois a efetivação dos mesmos não aconteceu até hoje.

O festival Calango também conseguiu manter-se graças ao esforço do produtor Pablo Capilé, que gerenciou o evento através do Espaço Cubo, pois, o criador do evento, Caio Costa, nem está morando mais em Cuiabá. O Festival de Cururu Siriri, evento de iniciativa da Secretaria Municipal, também sofreu desgaste e se não fosse a persistência da comunidade folclórica, já teria exaurido. Os Festivais de Inverno da Chapada e de Pesca de Cáceres perderam o perfil e estão nas mãos de promoters especuladores, que só querem trazer artistas nacionais que estão "na oferta" ou que contribuem para a baixa qualidade cultural e para o analfabetismo da comunidade (que saudade da ex-secretária Yeda Marli).

A nova gestão municipal encabeçada pelo ex-prefeito Wilson Santos, tirou todo apoio do projeto Rua do Rasqueado (para quem não sabe, tal projeto foi idealizado por mim em 1993, na gestão do finado ex-prefeito e ex-governador Dante de Oliveira). Esse evento foi realizado na primeira etapa em 1993 e 1994 e ficou parado por 10 anos e no final da gestão do ex-prefeito Roberto França em 2004, quando então na época o Secretario Justino Astrevo reativou o projeto.

Em 2005, foi custeado totalmente pela Secretaria Estadual de Cultura e de Turismo. Coibido em 2006 pela Secretaria Municipal de Cultura em detrimento a outros eventos inexpressivos, sendo que o projeto Rua do Rasqueado é um dos mais antigos da Secretaria Municipal e que teve a responsabilidade maior pelo "boom" do rasqueado nos anos 90. Foi um total de 154 eventos ao longo desses anos. Os eventos haviam se transformado em um costume para os freqüentadores.

Nunca houve empenho de nenhum governo para uma política séria para a cultura do Estado. Tudo que começa, logo acabam, não tem continuidade, principalmente os eventos antigos acima citados, que já deveriam ter recurso previsto por lei e enquadrado no seu respectivo setor (no caso os de caráter turístico).

Cada município deveria cuidar de suas festas e se solicitasse trabalho de artistas regionais através do Conselho Estadual de Cultura, pagasse o seu valor colocado no projeto e deixasse de desviar dinheiro da Cultura para pagar promoters especuladores e promover nome de político do local. Isso tiraria a tensão de cima dos Secretario de Cultura do Estado e Conselheiros (que trabalham de graça), obviamente o orçamento real do ano seria bem colocado.
Por outro lado, os produtos como CDs, vídeos, livros, artesanatos etc. seriam feitos com mais qualidade. As performances de shows regionais teriam melhores produções.

O que se observa hoje é que dos 100% da renúncia fiscal anual, 50% fica para pagamento de pessoal, a outra metade é para "projetos culturais" a grande parte vai promover eventos de prefeituras e festas de santos e a "quirera" fica para os artistas e produtores culturais (os que lutaram por quase dez anos para conseguir a renúncia fiscal).

O Fórum Permanente de Cultura "deixou de ser permanente" há muito tempo e somente este ano é que está se reunindo com a classe para fazer eleição do Conselho (antes, se reunia para discutir e dar parecer sobre qualquer acontecimento ou transtorno no patrimônio histórico que acontecia em Cuiabá e no interior).

Temos uma Copa do Mundo daqui a três anos e meio e essa falta de sedimentação e crescimento no setor da cultura é muito importante, posso dizer que é tão importante quanto a própria Copa (basta lembrar-se da última Copa na África do Sul).

E o que se vê hoje no setor é uma "criança que se recusa a crescer e ter responsabilidades", tudo por falta de uma política séria de interesse governamental em acreditar que o Estado não é só um celeiro do agronegócio e que a Cultura da Baixada Cuiabana tem muito pra mostrar para o Brasil e para o mundo. Parar com essa ideia de ver o Estado como "agropastoril e madeireiro". Precisamos de indústrias para vender o produto interno bruto pronto e deixar de ser visto como "Chapada e Pantanal" pelos turistas e "paraíso do agronegócio" (não paga imposto) pelos empresários de fora.

Para o novo governo e os novos conselheiros que estão entrando, peço-lhes que analisem a situação e revejam tudo isso, eu estarei junto com todos vocês para trabalhar e sair da "Terra do Nunca Jamais do Cerrado". Vamos ser coerentes com as ações do setor cultural e que tenha direcionamento certo de recursos. Quanto aos projetos ditos "institucionais" já está em tempo de sedimentação e continuidade com recursos programados no orçamento anual.

Mas se for pra continuar desse jeito é preferível acabar com a renúncia fiscal e obviamente com a Lei de Incentivo. Não está mais servindo para a Cultura e muito menos para os artistas e produtores culturais como já explanei neste texto. Será um "salve-se quem puder na Terra do Nunca Jamais do Cerrado" para os especuladores. Menos uma pasta pra pagar, pois ela só existe por causa da Lei de Incentivo e da renúncia fiscal anual que é facultado como diz a lei, não é obrigatório fazer a renúncia anual.

POR MILTON PEREIRA DE PINHO, O GUAPO, é músico

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