
Através de alguns encontros oportunos em viagens ao exterior, onde temos a chance de divulgar o que está acontecendo no Brasil no âmbito do que chamamos Cultura Digital, fui convidado a participar na primeira Conferência Internacional sobre Commons (“I International Commons Conference“).
Realizada recentemente pela Fundação Heinrich Boll
em Berlim, a Conferência reuniu por volta de 200 pesquisadores,
ativistas e especialistas, e teve como objetivo principal evidenciar os
pontos em comum entre movimentos aparentemente distintos como por
exemplo, o software livre, e as organizações locais para governança de
recursos fundamentais como a água, ou ainda as iniciativas para criação
de bancos de sementes como alternativa ao uso de sementes genéticamente
modificadas protegidas por copyright.
O plano era fomentar uma convergência entre os estudiosos dos
diversos ‘commons’, e os ativistas que estão desenvolvendo os projetos
na prática, criando assim as condições para o lançamento de uma “plataforma política baseada no ‘commons’”.
‘Commons’?
A Wikipedia traduz the commons como ‘bens comunais‘,
ou ‘comunais’. Quando pensamos em estratégias para promover esta
aproximação entre os diferentes grupos que valorizam os modelos de
gerenciamento sobre propriedades coletivas, vale indagar se o termo
‘commons’, no momento em que é portado para outras línguas e culturas,
se presta a esclarecer / comunicar os conceitos e valores embutidos.
O
que pude perceber em Berlim é que existem diferenças consideráveis
entre os que se reúnem para tratar deste tão específico tema. Os
chamados ‘commons tradicionais’, que se interessam pelas modelos
clássicos de governança sobre propriedade coletiva, e os vibrantes
‘commons digitais’, a turma que se converteu ao compartilhamento e ao
trabalho coletivo em rede, constituem por si duas tribos já bem
distintas.
Fato é que os ‘commons tradicionais’ apresentam interessante acúmulo
no tema, focando nos modelos históricos de governança para gerenciar
recursos compartilhados. O elemento confiança é destacado como
fundamental para que os pares respeitem as normas estabelecidas, e a
propriedade comum configura um fator de agregação social que irá
facilitar a cooperação em outras áreas.
Entretanto, é preciso admitir que os ‘commons tradicionais’ foram
sistemáticamente atacados durante todo o século passado pelas
estratégias hegemônicas do mercado, que se valeram de parábolas como a Tragédia dos Comuns (‘Tragedy of the Commons‘)
para naturalizar uma prevalência da propriedade privada como referência
de eficácia gerencial. O prêmio nobel de economia para Elinor Ostrom em
2009, por seus estudos em governança econômica do commons, promete
inaugurar uma nova fase para o conceito.
‘Commons Digitais’ na ofensiva
Michel Bawuens da P2P Foundation, em sua palestra na ICC em Berlim,
afirmou que os ‘commons digitais’, por sua vez, estão na ofensiva. O
sucesso do modelo de produção em software livre, que se tornou
infra-estrutura fundamental da rede mundial de computadores, e também
das corporações que apresentam melhor desempenho nos novos modelos de
negócio da web, demonstra de maneira definitiva a eficácia destas novas
formas de produção.
Neste cenário, os ‘commons digitais’ se mostram prontos para
apresentar soluções inovadoras às questões colocadas pelas crises
política e econômica globais. As licenças Creative Commons para
expressão individual e compartilhamento, e a GPL (General Public
License) como geradora de “commons”, são soluções bem acabadas e
inovadoras para um novo momento econômico.
Com a queda nos custos de coordenação / comunicação, a hierarquia
(instituições) deixa de ser necessária à coordenação de iniciativas
coletivas. Dessa forma, dinâmicas locais podem se tornar globais. Quanto
ao elemento confiança, fundamental para o funcionamento das dinâmicas
commons, vem claramente se reconfigurando e mudando de foco
especialmente entre os mais jovens: “confio mais em pessoas como eu, com
quem eu posso me relacionar diretamente, do que em instituições
opacas”.
Cultura Digital Brasileira
No Brasil, o uso intensivo das possibilidades de interatividade da
Internet e dos ambientes de redes sociais tem gerado um público que se
apropria muito rápido da cultura digital. Sempre gosto de destacar o
fato de que no Brasil experimentamos o fenômento da rede social ubíqua (Orkut – 2005/6) bem antes do resto do mundo (Facebook – 2009/10).
Por outro lado, o Programa Cultura Viva do MinC, com a implementação
dos Pontos de Cultura, tornou o Brasil o primeiro Estado a promover como
política pública o exercício de uso efetivo e integrado das duas
principais soluções inovadoras dos ‘commons digitais’: o software livre e
as licenças alternativas como o Creative Commons.
A vitalidade dinâmica que emergiu do exercício digital dos Pontos de
Cultura impactou o MinC de maneira irreversível, e em 2009 foi criada a
Coordenação de Cultura Digital, que deu origem à rede social
CulturaDigital.BR — plataforma para a construção colaborativa de
políticas públicas e ambiente permanente do processo do Fórum da Cultura
Digital Brasileira. Um novo jeito de fazer política pública.
A rede CulturaDigital.BR, além de servir de plataforma para
publicação de conteúdos das iniciativas fomentadas, proveu tecnologia e
hospedou processos de colaboração interativa como a elaboração do Marco
Civil da Internet e a consulta pública sobre a revisão da Lei de Direito
Autoral. A rede é também avatar político no Fórum Brasil Conectado,
instância consultiva do Programa Nacional de Banda Larga. O projeto de
uma rede social aberta lançada por um governo, único no mundo, ganhou
menção honrosa no Prix Ars Electronica 2010.
Ao tentar explicar em Berlim, como e porque estas inovações estão
acontecendo no Brasil, e mais especificamente no Ministério da Cultura,
tive que fazer referência a Gilberto Gil e sua postura como
ministro-hacker. Mencionei também a presença de elementos da Tropicália
na narrativa que propõe o exercício da cultura digital. Enfim,
disponibilizo a apresentação abaixo:
Nesta apresentação, a intenção foi mostrar
como as iniciativas de aproximação de arte e tecnologia do MinC foram
exitosas em promover a rápida apropriação de novos modos de fazer
amparados no digital. Além disso, tentei demonstrar como estes novos
modos de fazer impulsionaram a inovação na condução da política pública,
agora realizada através de plataformas tecnológicas, ambientes digitais
interativos.
Minha manifestação ao final do evento foi de que, para se criar uma
plataforma política baseada no commons, seria importante criar o
ambiente e a cultura de interatividade capaz de promover a desejada
convergência. Trata-se da cultura de se utilizar efetivamente estas
ferramentas. Me parece que é neste aspecto que os ‘commons digitais’
podem se colocar a serviço das outras modalidades commons, e do resto da
sociedade. Este é um dos traços marcantes da inovação que a cultura
digital brasileira representa no cenário global.
Nenhum comentário:
Postar um comentário